BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

domingo, 23 de novembro de 2014

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 4) – AS VIAGENS DE DIOGO CÃO (2) – O DESCOBRIMENTO DE “ANGOLA” PELOS PORTUGUESES

Caravelas
Quando falamos de caravelas, estamos a falar de um pequeno barco com duas velas latinas (de difícil manobra) com cerca de 20 metros de comprimento e 6 metros de largo – para comparar digamos que os pequenos cacilheiros que actualmente fazem a ligação Cacilhas/Lisboa têm quase 30 metros de comprimento e 7 metros de largo – e não se aventuram em mar alto.
A vida a bordo das caravelas era de uma dureza atroz. Os homens viviam num ambiente constantemente molhado. A alimentação era à base de biscoitos, peixe seco ou salgado, toucinho salgado, azeite, vinagre, vinho e água.
O leme era de difícil manejo e exigia muita concentração. Os homens dormiam onde podiam. 
Eram homens duros e determinados – e o mar não era (não é) coisa com que se brincasse.

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 4)
 AS VIAGENS DE DIOGO CÃO (2)
O DESCOBRIMENTO DE “ANGOLA” PELOS PORTUGUESES

A segunda viagem de Diogo Cão na descoberta da costa de África, que se previa “até encontrar passagem para o Índico” – o que não aconteceu, como sabemos – é muito mais difícil de datar, devido aos ainda mais escassos elementos que sobreviveram. Vejamos então uma síntese do que é possível apurar:

Não há dúvida de que D. João II esperava que Diogo Cão alcançasse pelo menos os reinos periféricos do Prestes João (o mítico rei da Etiópia) ou mesmo o oceano Índico, pois um tal percurso tornava desnecessárias mais expedições ao longo da costa. D.João II enviou também, nesta segunda viagem, para o “rei” do Kongo (que na altura era Nzinga-a-Kuvu), uma embaixada com ricas prendas, ofertas de amizade, acompanhando também de recomendações para renegar aos ídolos, feitiçarias e abraçar a religião cristã.

Encarregado de empreender uma segunda expedição, Diogo Cão partiu na segunda metade de 1485 (eventualmente em Agosto).

Chegando ao estuário do Zaire, as caravelas aportaram a M’Pinda, a 10 Km da ponta do Padrão, residência do Manisoyo – o senhor do Soyo (nos relatos da viagem anterior refere-se uma “rainha”) – devolvendo os reféns embarcados na primeira viagem. Tendo-se apercebido que os emissários enviados ao “rei” do Kongo na viagem anterior, ainda não se encontravam em M’Pinda, e também de suspeitar que pelo rio Zaire poderia ter acesso mais rápido ao Índico, já que na exploração anterior não fora além das imediações de Nóqui, Diogo Cão decide zarpar rio acima. Procurou explorar o Rio Zaire, na esperança que pudesse vir a ser a extremidade meridional do canal que, segundo a mapa de Fra Mauro, separava a África Austral da massa do continente e desembocava no Índico perto de Quilóa.

Mapa de Fra Mauro (1459)

A expedição progrediu até às cataratas de Yellala (que impediam a progressão das caravelas), situadas a 170 Km do mar, onde os marinheiros gravaram várias inscrições nas rochas – incluindo os nomes –, deixando assim para a posteridade um precioso registo.

As famosas inscrições de Yellala

Vendo que não era possível progredir através do rio Zaire, Diogo Cão resolveu que a exploração teria de continuar por via marítima. Avançou então para a latitude (cerca de 15º Sul) da Baía de Moçâmedes – onde havia terminado a viagem anterior, navegando depois para além desta e verificando, com desilusão, que o continente se estendia para Sul, aparentemente sem fim.

Atingindo o Cabo Negro, na latitude 15º 42’ S, Diogo Cão ergueu outro padrão. E logo a seguir ancorou numa baía, hoje Porto Alexandre, a que deu o nome de “Angra das Aldeias”, devido à existência de duas povoações. Também entrou depois na “manga das areias”, hoje Baía dos Tigres.


Já depois da foz do rio Cunene (actual fronteira Sul de Angola – 17º de Latitude Sul) e navegando ao longo de uma costa desértica (Actual Namíbia), alcançou a latitude 21º 47’ S, onde ergueu outro padrão, o mais meridional de todos, num lugar a que hoje se chama Cape Cross (Cabo da Cruz, ou do Padrão da Serra) na actual Costa dos Esqueletos. Depois, ainda percorreram mais 50Km de costa para Sul do Cabo do Padrão da Serra, até à ponta dos Farilhões, a Hentiestbaai de hoje e foi aí que a expedição terminou.

Réplica do Padrão de Cape Cross (cujo original se encontra em Berlim) e inscrição em inglês, de 1986, assinalando os 500 anos da viagem de Diogo Cão...

O termo exacto da viagem, deve-se a uma legenda de um mapa de 1489 de Martellus, cujo texto sugere que Diogo Cão aí terá morrido. Se assim aconteceu, poderá ter sido essa a razão porque os navios não avançaram mais para sul ?

Não se sabe nada do que se passou naquela Ponta dos Farilhões que determinasse o fim da expedição. Rui de Pina, cronista-mor do Reino acrescentou na sua Crónica de D.João II, que o “rei” do Congo, pediu que D.João II lhes mandasse padres para instruir o seu povo, desejava ter pedreiros que construíssem igrejas e casas, de modo que, neste e noutros aspectos, o seu “reino” fosse semelhante ao de Portugal, todos eles foram recebidos pelo rei de Portugal D. João II, em Janeiro de 1489.

É importante sublinhar a data [Janeiro de 1489] da embaixada congolesa, que não podia ter vindo nos navios da expedição de Diogo Cão. Como foi possível ser recebida por D.João II dois anos depois, se os sobreviventes da 2ª viagem de Diogo Cão regressaram ao reino, antes de Agosto de 1487? Uma vez que foi nesta data que se deu a partida de Bartolomeu Dias para a expedição que, finalmente dobraria o Sul da África atingindo o Índico. Acontece que João de Santiago foi o piloto escolhido por Bartolomeu Dias para pilotar a naveta de mantimentos da sua frota constituída por mais duas caravelas. O nome de "João Santiago" está gravado nas Pedras de Yellala para a posteridade. Portanto este marinheiro fez parte da 2ª viagem de exploração de Diogo Cão.

O que acaba por parecer mais correcto é que, depois de regressar da descoberta do Cabo de Boa Esperança e aberto o caminho marítimo para a Índia, Bartolomeu Dias terá feito escala na foz do rio Zaire, em M’Pinda, onde embarcou em Outubro de 1488 os tais embaixadores do “reino” do Congo para Portugal.

E nunca mais se soube nada sobre Diogo Cão!

A trapalhada documental que se seguiu, depois desta 2ª expedição, sobre o que aconteceu ao seu comandante, resultou, em parte, das afirmações do cronista João de Barros nas “Décadas da Ásia”. Decorridos 30 anos após os acontecimentos em que o cronista afirma:

“O navegador, Diogo Cão regressou ao reino e dele nunca mais houve notícia”.

Mas, se voltou ao reino, onde se encontra o seu túmulo? Ou D. João II, fez desaparecer todas as menções do navegador, por causa da hipotética errada informação sobre a proximidade do “fim do continente africano”? Mas não existem quaisquer provas que corroborem esse procedimento, por parte do monarca português.

A historiadora Therese Schedel – autora do livro “O Mosteiro e a Coroa“, sobre o mistério que rodeia o desaparecimento de Diogo Cão, refere numa entrevista:

«..a não existência de um roteiro da segunda viagem de Diogo Cão tem sido um mistério apaixonante... O navegador desapareceu durante a sua segunda viagem ou não?».

«...Os tripulantes que regressaram a Portugal [João de Santiago?] contaram que Diogo Cão se tinha embrenhado terra adentro e nunca mais aparecera... Muito possivelmente, talvez tivesse sido devorado por um tigre, quem sabe [mas sabemos hoje que nunca existiram tigres em África...] “. Contudo sobre esta Costa diz-se que “Também por ali aparecem leões, vêm do semi-árido, caminhando lentamente pelo leito dos rios até chegar à costa. E, como a vida animal não é tão abundante como a da savana, adaptaram-se ao cardápio disponível. Acabaram por descobrir uma nova fonte de alimento nas focas e nas baleias encalhadas, ocupando as praias da costa dos Esqueletos. Refeições que compartilham com hienas e chacais, ali em Cape Cross os leões vão à praia. Defendida por um mar turbulento que atira qualquer barco contra a costa, tem sido ao longo dos séculos cenário de vários naufrágios, que hoje são recordados pelos muitos restos de navios que surgem presos nas armadilhas da areia da praia. É a presença destes destroços que dá origem ao nome desta longa linha de areia que se estende até Angola, a Costa dos Esqueletos”.

Será que Diogo Cão se suicidou por lhe parecer que não conseguiria encontrar a passagem para o Oceano Índico? Ou regressou e foi ostracizado pelo rei, embora esta hipótese, muito divulgada pelos historiadores, nos pareça inverosímil, dado que não havia nenhum obstáculo (a não ser talvez os ventos contrários) para que a expedição avançasse para além daquela latitude...
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Terminada esta fase do Descobrimento da costa marítima de “Angola”, vamos, nos “próximos Capítulos” falar sobre o interland do território, sobre aquilo a que se chamam OS “REINOS” PRIMITIVOS DE "ANGOLA", que os portugueses encontraram quando lá chegaram.

Mapa do século XVIII com os "reinos" de "Angola"

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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 3) – AS VIAGENS DE DIOGO CÃO (1) – O DESCOBRIMENTO DE “ANGOLA” PELOS PORTUGUESES

Réplica do padrão de S.Jorge na Ponta do Padrão - Rio Zaire

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 3)
 AS VIAGENS DE DIOGO CÃO (1)
O DESCOBRIMENTO DE “ANGOLA” PELOS PORTUGUESES

No título deste texto, escrevemos “Angola” – assim mesmo, entre aspas. Isto porque quando o navegador português Diogo Cão chegou ao território, Angola não existia. Nem sequer havia ainda o “senhorio” (Ngola Ndongo) que daria o nome actual ao país que agora conhecemos por essa designação.

Mas vamos por partes.

Evidentemente que, quando falamos em descobrimentos, estamos a adoptar o ponto de vista europeu: os europeus (portugueses neste caso) descobriram a “costa sul da África”, por exemplo. Mas o inverso não será falacioso, uma vez que os africanos também foram levados a “descobrir” os europeus – evidentemente por iniciativa dos primeiros... Contudo as coisas podem sempre ser colocadas sob os dois pontos de vista: se os europeus descobriram os africanos, estes foram levados a descobrir os europeus. Existe pois, um descobrimento reciproco, que terá sido eventualmente de perplexidade para ambas as partes: quem são estes tipos?

Como dissemos atrás, o navegador Diogo Cão foi enviado pelo rei D.João II (em 1482) a descobrir a costa ocidental africana. O problema é que não se conhecem nem as datas precisas das viagens nem quantas viagens este navegador realizou. Tudo isto devido à política secretista (confidencial, dir-se-ia actualmente) do rei, para ocultar os progressos da navegação portuguesa, dos vizinhos castelhano-aragoneses, italianos e mesmo franceses. Por causa dessa política não existem referências escritas ao que se passou neste reinado sobre essa matéria, senão por meia dúzia de apontamentos, em crónicas que nada têm a ver com essas viagens. E só por meio destes apontamentos cronísticos (ou mesmo outros) consegue entender-se alguma cronologia sobre o tema, ainda que não muito precisa. Digamos até que a própria viagem de Bartolomeu Dias na viragem do Cabo da Boa Esperança, só ficou a conhecer-se por um apontamento manuscrito de Cristovão Colón nas margens de um dos seus livros de leitura.

É de realçar que no estado actual das investigações, se presuma mesmo que, no final da primeira viagem do “descobrimento de Angola”, em 1483, Diogo Cão tivesse regressado ao reino, mas viajando para oeste propositadamente, descobrindo nessa rota a ilha da Ascensão e atingindo até o Cabo de S. Jorge na costa do Brasil !!! Este cabo, actual Cabo de Sto Agostinho, foi onde a armada de Pedro Álvares Cabral chegou quando “descobriu” o Brasil. E porque chegaria precisamente a este Cabo?

Isto tudo leva-nos a pensar muito a sério no porquê da insistência de D.João II na delimitação do meridiano “de Tordesilhas” a 380 léguas de Cabo Verde – nem 300 nem 400, mas exactamente 380. Porquê um número tão preciso?

O mestre de uma das naus de Cabral, aquando do “descobrimento” oficial do Brasil, conhecido por mestre João, refere ao rei D. Manuel que, quanto “ao sítio desta terra (o Brasil), mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pêro Vaz Bizagudo de Lisboa, e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra; aquele mapa-múndi não certifica se esta terra é habitada, sendo um mapa antigo onde está escrita também a Mina.” Duarte Pacheco Pereira escreveria igualmente no seu Esmeraldo de Situ Orbis, dedicado a D. Manuel I, que em 1486 explorou a costa do Brasil...

Mas, perguntarão os meus amigos: o que tem o Brasil a ver com Angola? Tem! E muito. É que está estimado em cerca de 4.000.000 (sim 4 milhões), o número de escravos levados de Angola para o Brasil entre o século XVI e o XIX... Chega para relacionar as duas regiões?

Mas passemos então à Cronologia das Viagens de Diogo Cão na costa de Angola:

Em 1 de Janeiro de 1841, Diogo Cão (ou Caão) depois de viajar de S.Jorge da Mina pelo litoral do Golfo da Guiné, até ao Cabo de Sta. Catarina (actual Gabão), viaja a partir deste Cabo, de regresso a Portugal, mas em “volta de largo” pelo Golfo e descobre a ilha de Ano Bom (1 de Janeiro de 1481) a sudoeste da ilha do Príncipe.

Em nova viagem, Diogo Cão, saindo de Lisboa em 1482, provavelmente no mês de Agosto, e depois de reconhecer toda a costa desde o Cabo de Sta. Catarina, atinge o Rio Zaire (23 de Abril de 1483, dia de São Jorge) e implanta um Padrão de pedra, a que deu o nome de “S.Jorge”, na margem esquerda da foz desse rio – a que chamou Rio Poderoso –, que ficou conhecida como “Ponta do Padrão”. Foi o início do uso destes padrões em pedra calcária, para assinalar as terras a que chegavam os navegadores – anteriormente eram usadas cruzes de madeira.

Do Cabo de Sta. Catarina à foz do Rio Zaire...

Revelando que o rei D. João II já tinha informações sobre o que os navegadores poderiam encontrar no interior aficano, depois do Cabo de Sta. Catarina, Diogo Cão tinha instruções para enviar presentes ao “rei” de um potentado que existiria naquelas paragens, percebeu-se depois que seria o “reino” do Congo (ou mais correctamente Kôngo). Na verdade não se podem referir como “reis” os senhores destes “estados”, eles não tinham as prerrogativas que o termo – nas línguas e conceitos indoeuropeus – atribuem aos reis. Eram os chefes supremos de uma comunidade meio-feudal (no sentido arcaico do termo) de diversos outros chefes com menor poder. Mas foi assim que os portugueses os trataram sempre: “reis” e “reinos” os seus senhorios.

Segundo consta, Diogo Cão, em “conversa” com pescadores do rio, da qual não conseguimos descortinar como se entenderam (mas essa é a versão oficial) – para sermos claros nesta questão, não se consegue perceber como é que os portugueses chegaram à fala com pescadores kikongo, fazerem-se entender e conseguirem eles próprios entendê-los. Mas enfim... Conseguiu até contactar a “rainha” do Soyo (estado/senhorio da zona Sul da foz do Zaire, dependente do Kongo) e, de seguida enviou os tais presentes, por dois emissários ao “rei” do Kongo e largou para Sul, talvez no início de Julho de 1483. 

Foz do Rio Zaire

A "Ponta do Padrão"


Em 22 de Julho chegou à foz do rio Loge, a que chamou “Rio da Madalena”.

– 10 de Agosto, atingiu Benguela a Velha, actual Porto Amboim.

– A 28 de Agosto de 1483 atingiu o Cabo de Sta. Maria (actual Cabo do Lobo) onde mandou erguer o padrão de Stº. Agostinho, seguida de celebração de missa.

– Avançando mais quase 100 Km para Sul, a expedição terminou devido ao espesso nevoeiro, que não permitia a navegação de reconhecimento.


Padrão de Sto. Agostinho, na Sociedade Geográfica de Lisboa

Regressou à foz do Zaire, onde esperou encontrar os emissários enviados ao “rei” do Kongo. Não os encontrando, aprisionaram alguns nativos e iniciaram a viagem de regresso, em Novembro de 1483. Viagem para Portugal ou... para oeste até descobrir o Brasil?

Acrescentemos só que a chegada a Portugal se deu em Março/Abril de 1484.

NOTA: As fotos de satélite com os percursos desenhados e os mapas constantes neste post, foram colhidos do site:

A SEGUIR – A 2ª VIAGEM DE DIOGO CÃO

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