BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 7) – OS “REINOS” PRIMITIVOS (2) – A ENTRADA DOS PORTUGUESES NO NDONGO – O INÍCIO DO “NEGÓCIO” DOS ESCRAVOS



OS “REINOS” PRIMITIVOS (2)
A ENTRADA DOS PORTUGUESES 
NO NDONGO
O INÍCIO DO “NEGÓCIO” DOS ESCRAVOS

Se o “Reino” do Kôngo foi criado por populações Kikongo, os potentados a Sul do Kôngo e vassalos deste – entre os Rios Dande e Kuanza – eram de etnia Mbundo (Kimbundo, ou Ambundo). Ocupavam um território entre os dois Rios atrás mencionados e estendiam-se do Atlântico até ao Rio Kuango, divididos entre os “Reinos” do Ndongo, Kissama e Matamba. O “Rei” do potentado de Ndongo era designado pelo título de Ngola (que daria origem à palavra “Angola”).

Avanço do Ngola do Ndongo na guerra contra o Kôngo (c. 1560) e entrada na Matamba...

Em 1518 o Ngola do Ndongo enviou uma embaixada a Portugal pedindo missionários e, indirectamente, o reconhecimento da sua independência face ao Kôngo. Uma missão portuguesa chegou ao Ndongo em 1520 mas disputas locais e talvez a pressão do Kôngo forçou os missionários a abandonar o Ndongo. Afonso I (Mvemba-a-Nzinga) do Kôngo levou os missionários para Mbanza Kôngo e deixou o seu próprio padre no Ndongo.

Por volta de 1556, o Ngola do Ndongo enviou outra missão a Portugal procurando ajuda militar e oferecendo-se para ser cristianizado, mesmo apesar dos oficiais portugueses da altura terem duvidado da sua sinceridade religiosa. Em 1901, E. G. Ravenstein afirmou que esta missão foi o resultado de uma guerra entre o Kôngo e o Ndongo, na qual o Ndongo saiu vencedor e afirmou a sua independência. O mesmo disse Jan Vansina em 1966 (e a partir daqui vários outros escritores), porém isto parece ter sido uma incompreensão das fontes originais. O Ndongo poderá ter realmente visto a missão como uma espécie de declaração de independência, já que a resposta do Kôngo à missão de 1518 sugere que ainda mantinha poder suficiente para prevenir movimentos independentistas.

De qualquer forma, a segunda missão portuguesa, liderada por Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias, atracou na foz do rio Kwanza em 1560, juntamente com vários padres jesuítas, incluindo o notável Francisco de Gouveia. A missão de Dias de Novais falhou igualmente, tendo ele voltado a Portugal em 1564, deixando o padre jesuíta Francisco Gouveia no território.

Contudo, antes de falarmos de Paulo Dias de Novais, que mais tarde, voltaria ao Ndongo para fundar a primeira feitoria portuguesa no território (a cidade de Luanda), será necessário – para percebermos o contexto – evocar os acontecimentos no outro lado do Atlântico, no Brasil, e a questão da escravatura e do comércio da mesma, que os portugueses já praticavam nas sua feitorias da Guiné (Arguim) e no Golfo da Guiné (São Jorge da Mina).

Apesar da escravatura ser tão antiga como a espécie humana – desde que grupos humanos entraram em guerras uns com os outros e fazendo dos vencidos seus escravos –, não vamos recuar tanto na sua análise, senão nunca mais sairíamos daqui. Falemos apenas do que ocorreu no Brasil e o que deu origem ao tráfico “negreiro” com Angola.

No que viria a ser o Brasil, a escravatura já era praticada pelos índios, na sua forma mais primitiva, muito antes da chegada dos europeus. Entre os tupinambás, que eram antropófagos, a maioria dos escravos eram capturados nas tribos inimigas e acabavam por ser devorados. Porém, entre a captura e a execução, eles poderiam viver como escravos durante anos. Entre os tupinambás a escravidão não tinha nenhum valor económico. Os cativos apenas serviam para serem exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em rituais canibalescos que poderiam acontecer até mesmo ao fim de quinze anos após a captura. Os escravos eram incorporados na comunidade, sendo que algumas escravas se casavam com os homens da tribo. Porém, os cativos reconheciam-se como escravos e como homens derrotados e o sentimento de degradação entre eles era muito forte.

A instituição da escravatura europeia no Brasil toma forma com a grande propriedade da monocultura, na década de 1530. Portugal contava com pouco mais de 2 milhões de habitantes na época e mal podia arcar com a perda de mão de obra para as expedições para o Oriente, que viviam o seu auge. E, assim como para qualquer outro colono europeu, não era interessante para o português migrar para os trópicos para ser um simples trabalhador do campo. "A escravidão tornou-se, assim, uma necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colónias tropicais e mesmo subtropicais no continente americano.” 


A primeira forma de escravidão no Brasil foi dos gentios da terra ou negros da terra, os índios, especialmente na Capitania de São Paulo onde os seus moradores pobres não tinham condições de adquirir escravos africanos, nos primeiros dois séculos de colonização. A escravização de índios foi mais tarde proibida pelo Marquês de Pombal. Eram considerados pouco aptos para o trabalho.

É interessante verificar que os portugueses tratavam os africanos abaixo do Sahara por “pretos”, mas quando os transformavam em escravos passavam a ser “negros”, tal como os escravos índios, aliás, que eram os “negros da terra” – portanto a palavra “negro” era sinónimo de “escravo”.

No Brasil, a escravatura africana teve início com a produção canavieira (cana do açucar) na primeira metade do século XVI como tentativa de solução à "falta de braços para a lavoura", como se dizia então. Os portos principais de desembarque de escravos eram no Rio de Janeiro, na Bahia Negros da Guiné, no Recife e em São Luís do Maranhão.


Os portugueses, brasileiros e mais tarde os holandeses traziam os negros africanos das suas feitorias em África para os utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de rapadura do Nordeste. Os comerciantes de escravos vendiam os africanos como se fossem mercadorias, as quais adquiriam de tribos africanas que haviam feito prisioneiros de guerra. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro dos mais fracos ou velhos. Eram mais valorizados, para os trabalhos na agricultura, os negros Bantu (ou Benguela ou do Kôngo), provenientes especialmente de Angola e Moçambique, e tinham menos valor do que os que vinham do centro oeste da África, os negros Mina ou da Guiné, que receberam este nome por serem embarcados no porto de São Jorge de Mina, na atual cidade de Elmina, e eram mais aptos para a mineração, trabalho no qual já se dedicavam na África Ocidental. Por ser a Bahia mais próxima da Costa da Guiné (África Ocidental) do que de Angola, a maioria dos negros baianos são designados “Minas”...

Fortaleza da feitoria de São Jorge da Mina na actualidade (Elmina)

Rotas do tráfico negreiro de África para o Brasil...

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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 6) – OS “REINOS” PRIMITIVOS (2) – GRUPOS ÉTNICOS EM ANGOLA

OS GRUPOS ÉTNICOS EM ANGOLA 

Como já dissemos anteriormente, os povos Bantu deslocaram-se para o Sul de África em três fases, sendo que não o fizeram em massa. Formaram-se vários grupos que se deslocavam, durante séculos – ao longo dos primeiros mil anos da era de Cristo – e deambularam por vastas regiões da África sub-shariana até se fixarem. Desse modo entraram no território que é hoje Angola em várias fases e não todos pelas mesmas regiões: uns pelo Norte, outros pelo Leste e outros pelo Sudeste. Claro que os grupos dos bantu que se foram formando ao longo destas viagens, foram modificando as suas formas de falar (separados como estavam uns dos outros), até ficarem com diversos dialectos diferentes entre si. Daí que os grupos que entraram no actual território angolano se diversificaram em basicamente nove grupos diferentes, como se pode ver no mapa abaixo:

Mapa da distribuição das etnias de Angola. O grupo Khoisan, disperso pelo Sul é o único não bantu e representa os anteriores ocupantes do território antes da chegada dos bantu.

Assim, o “Reino” do Kongo era composto por Bakongos – que falavam a língua Kikongo – sendo que os outros “reinos” primitivos eram originários de diferentes etnias (apesar de todas com o mesmo substrato comum banto). Os “reinos” de que falaremos a seguir, Ngongo e Matamba, são de etnia Mbundu e cujo território veio a ser a origem da colónia portuguesa de Angola.

Interessante mapa (encontrado na internet) que mostra os territórios de Angola livres do domínio português até ao século XIX:


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