OS “REINOS” PRIMITIVOS (2)
A ENTRADA DOS PORTUGUESES
NO NDONGO
O INÍCIO DO “NEGÓCIO” DOS ESCRAVOS
Se o “Reino” do Kôngo foi criado por populações Kikongo, os potentados a Sul do Kôngo e vassalos deste – entre os Rios Dande e Kuanza – eram de etnia Mbundo (Kimbundo, ou Ambundo). Ocupavam um território entre os dois Rios atrás mencionados e estendiam-se do Atlântico até ao Rio Kuango, divididos entre os “Reinos” do Ndongo, Kissama e Matamba. O “Rei” do potentado de Ndongo era designado pelo título de Ngola (que daria origem à palavra “Angola”).
Avanço do Ngola do Ndongo na guerra contra o Kôngo (c. 1560) e entrada na Matamba...
Em 1518 o Ngola do Ndongo enviou uma embaixada a Portugal pedindo missionários e, indirectamente, o reconhecimento da sua independência face ao Kôngo. Uma missão portuguesa chegou ao Ndongo em 1520 mas disputas locais e talvez a pressão do Kôngo forçou os missionários a abandonar o Ndongo. Afonso I (Mvemba-a-Nzinga) do Kôngo levou os missionários para Mbanza Kôngo e deixou o seu próprio padre no Ndongo.Por volta de 1556, o Ngola do Ndongo enviou outra missão a Portugal procurando ajuda militar e oferecendo-se para ser cristianizado, mesmo apesar dos oficiais portugueses da altura terem duvidado da sua sinceridade religiosa. Em 1901, E. G. Ravenstein afirmou que esta missão foi o resultado de uma guerra entre o Kôngo e o Ndongo, na qual o Ndongo saiu vencedor e afirmou a sua independência. O mesmo disse Jan Vansina em 1966 (e a partir daqui vários outros escritores), porém isto parece ter sido uma incompreensão das fontes originais. O Ndongo poderá ter realmente visto a missão como uma espécie de declaração de independência, já que a resposta do Kôngo à missão de 1518 sugere que ainda mantinha poder suficiente para prevenir movimentos independentistas.
De qualquer forma, a segunda missão portuguesa, liderada por Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias, atracou na foz do rio Kwanza em 1560, juntamente com vários padres jesuítas, incluindo o notável Francisco de Gouveia. A missão de Dias de Novais falhou igualmente, tendo ele voltado a Portugal em 1564, deixando o padre jesuíta Francisco Gouveia no território.
Contudo, antes de falarmos de Paulo Dias de Novais, que mais tarde, voltaria ao Ndongo para fundar a primeira feitoria portuguesa no território (a cidade de Luanda), será necessário – para percebermos o contexto – evocar os acontecimentos no outro lado do Atlântico, no Brasil, e a questão da escravatura e do comércio da mesma, que os portugueses já praticavam nas sua feitorias da Guiné (Arguim) e no Golfo da Guiné (São Jorge da Mina).
Apesar da escravatura ser tão antiga como a espécie humana – desde que grupos humanos entraram em guerras uns com os outros e fazendo dos vencidos seus escravos –, não vamos recuar tanto na sua análise, senão nunca mais sairíamos daqui. Falemos apenas do que ocorreu no Brasil e o que deu origem ao tráfico “negreiro” com Angola.
No que viria a ser o Brasil, a escravatura já era praticada pelos índios, na sua forma mais primitiva, muito antes da chegada dos europeus. Entre os tupinambás, que eram antropófagos, a maioria dos escravos eram capturados nas tribos inimigas e acabavam por ser devorados. Porém, entre a captura e a execução, eles poderiam viver como escravos durante anos. Entre os tupinambás a escravidão não tinha nenhum valor económico. Os cativos apenas serviam para serem exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em rituais canibalescos que poderiam acontecer até mesmo ao fim de quinze anos após a captura. Os escravos eram incorporados na comunidade, sendo que algumas escravas se casavam com os homens da tribo. Porém, os cativos reconheciam-se como escravos e como homens derrotados e o sentimento de degradação entre eles era muito forte.
A instituição da escravatura europeia no Brasil toma forma com a grande propriedade da monocultura, na década de 1530. Portugal contava com pouco mais de 2 milhões de habitantes na época e mal podia arcar com a perda de mão de obra para as expedições para o Oriente, que viviam o seu auge. E, assim como para qualquer outro colono europeu, não era interessante para o português migrar para os trópicos para ser um simples trabalhador do campo. "A escravidão tornou-se, assim, uma necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colónias tropicais e mesmo subtropicais no continente americano.”
É interessante verificar que os portugueses tratavam os africanos abaixo do Sahara por “pretos”, mas quando os transformavam em escravos passavam a ser “negros”, tal como os escravos índios, aliás, que eram os “negros da terra” – portanto a palavra “negro” era sinónimo de “escravo”.
No Brasil, a escravatura africana teve início com a produção canavieira (cana do açucar) na primeira metade do século XVI como tentativa de solução à "falta de braços para a lavoura", como se dizia então. Os portos principais de desembarque de escravos eram no Rio de Janeiro, na Bahia Negros da Guiné, no Recife e em São Luís do Maranhão.
Fortaleza da feitoria de São Jorge da Mina na actualidade (Elmina)
Rotas do tráfico negreiro de África para o Brasil...
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