BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

sábado, 25 de julho de 2015

AFINAL HAVIA OUTRO… BATALHÃO NO LESTE DE ANGOLA

AFINAL HAVIA OUTRO… 
BATALHÃO NO LESTE DE ANGOLA

Pois, haverá dois ou três dias, quando comecei a pesquisar unidades do exército português em Angola em 1975, eis senão quando, dou de caras com o BCAV 8322/74, que esteve estacionado em Henrique de Carvalho (Saurimo). Partiu de Lisboa (depois de se concentrar em Viana do Castelo) para Luanda entre 18 e 22 de Maio de 1975. Deslocou-se depois para Henrique de Carvalho – com companhias em serviço em Cambambe e Camissombo (quase na fronteia com o Zaire). A 29 de Agosto (nós saímos do Luso a 17) deslocou-se para o Dondo e em 30 de Outubro embarcou para Lisboa. Portanto eles foram mesmo “os últimos no Leste”. Contudo vou considerar o BART 6221/74 e o BCAV 8322/74 os Últimos Batalhões no Leste de Angola. O historial do BCAV 8322/74 fica aqui publicado (sacado no blogue deles: http://saurimo.blogspot.pt/) e será depois inserido em anexo no livro. O que é espantoso nisto tudo é que, ao que parece, nem nós nem eles sabíamos da presença uns dos outros – a “apenas” 266 km de distância, ou seja a quatro horas e meia, de caminho em carro.


Entretanto soube que o ex-furriel José Ventura, do BCAV 8322/74, vive aqui nas Caldas. Encontrei-me com ele ontem à tarde e a conversa foi muito interessante. Registei o encontro como se pode ver na foto abaixo.

Os ex-Furriéis José Ventura (BCAV 8322/74) e Jorge Dias (BART 6221/74) em 17 de Julho de 2015, Caldas da Rainha.

BATALHÃO DE CAVALARIA 8322/74
HENRIQUE DE CARVALHO (SAURIMO) – LUANDA

 Claro que eu tinha que redesenhar o Brasão do BCAV 8322/74, ou não fosse um "perfeccionista" que detesta a maneira como a heráldica militar foi tratada durante a guerra colonial. Feitios.

Historial do Batalhão

O Batalhão de Cavalaria 8322/74 foi mobilizado nos termos da nota número 5153/PM de 12 de Outubro de 1974 da 1º Repartição do E.M.E., sendo constituído com base no 4º turno de 1974, tendo como unidade mobilizadora o Regimento de Cavalaria Nº3 de Estremoz, onde no dia 5 de Março de 1975, começou a sua organização sob o comando do Tenente Coronel de Cavalaria Luís de Lorena Birne. Este período decorreu até 4 de Abril de 1975, seguindo-se depois períodos sucessivos de licença até ao dia 11 de Maio, foi portanto em pleno P.R.E.C. (Processo Revolucionário em Curso), em que a frase mais ouvida era “Nem mais um soldado para as Colónias”, que seguiu para Luanda o Comandante Luís Birne, acompanhado do Oficial de Operações Major Jesus da Silva.

Partida de Lisboa para Luanda

C.C.S........................Dia 18 de Maio de 1975 23H00 Chegada em Dia 19 de Maio de 1975 07H25
1º Companhia........Dia 19 de Maio de1975 23H00 Chegada em Dia 20 de Maio de1975 07H30
2º Companhia.......Dia 21 de Maio de1975 23H00 Chegada em Dia 22 de Maio de1975 07H30
3º Companhia.......Dia 22 de Maio de1975 23H00 Chegada em Dia 23 de Maio de1975 07H30

Durante quatro dias o batalhão esteve “hospedado” no Grafanil, seguindo depois em coluna motorizada para Henrique de Carvalho, primeiro a CCS no dia 23 de Maio, comandados pelo capitão Avelino Alves Pereira. No dia 25 de Maio, com destino a Henrique de Carvalho e Camissombo e sob o Comando do capitão Rolim Oliveira e Barbosa Soares, saiu a 1ª e 2ª Companhia. A 28 de Maio, com destino ao Camaquenzo (Dundo) saiu a 3ª Companhia sob o Comando do Major Correia de Araújo.

A zona de destino do Batalhão tem como característica principal o facto de ser dominante o grupo étnico Lunda-Quioco, sobejamente descrito em várias publicações.

Excerto do mapa de Angola: a vermelho as localidades onde esteve sedeado o BCAV 8322/74

Situação em Maio de 1975 no Leste de Angola

ELNA (FNLA)......Comandante...Filipe ..1.100 Homens
FAPLA (MPLA)....Comandante..Orlog ..1.100 Homens
FALA (UNITA).....Comandante..Aurélio.500 Homens

Por esta altura estavam instalados no terreno forças da ELNA (FNLA), FAPLA (MPLA) e FALA (UNITA), onde procuravam a hegemonia no campo politico e militar, tendo já realizado uma série de acções inconvenientes, tais como ocupações de instalações, roubo de viaturas e justiça privada que se traduzia por um processo de degradação da situação que inevitavelmente conduziria ao confronto armado entre ambos.

SITUAÇÃO EM 30 DE MAIO DE 1975

Comando e CCS --- Quartel de Saurimo
1ª Companhia --- Quartel de Saurimo
2ª Companhia --- Camissombo
Grupo de Combate --- Cacolo
3ª Companhia --- Camaquenzo (Portugália)
Grupo de Combate --- Saurimo - Reforço à 1ª Companhia

“O incumprimento dos acordos de Alvor e os excessos já eram prática diária dos Movimentos de Libertação, nesta fase, mais frequentes pelo MPLA e pela FNLA do que a UNITA. (…) O MPLA e a FNLA estavam a receber do exterior bastante Armamento, tanto ligeiro como pesado, que as autoridades Portuguesas não conseguiam controlar, nem pouco nem muito. Acostavam Navios cargueiros em Ponta Negra no Congo Brazzaville, com bastante material soviético para o MPLA. O material Americano para as FNLA chegava por meios aéreos a Kinshasa, sendo encaminhado para a Base Kinkusu.

(Mário Jesus da Silva – “Sortilégio da Cobra”)

Este era o cenário que nos esperava na Lunda, que na língua dos Ambungos significa “terra abandonada”, e que fora em tempos antigos território do lendário reino do Muatiânvua.

Nas margens do Rio Cuango está a sua principal riqueza, os diamantes.

Nos primeiros dias de Junho a situação na Lunda agravou-se progressivamente, vindo a culminar com dois dias (11 e 12 de junho) de violenta confrontação armada entre a ELNA (FNLA) de Holden Roberto e as FAPLA (MPLA) de Agostinho Neto, que resultou na destruição dos quartéis da FNLA. Alguns elementos desta força com receio de nova ofensiva refugiaram-se no nosso Quartel.

Com esta acção as forças do MPLA ganharam um ascendente moral que aproveitaram para garantir o predomínio da zona, bem como consolidar a sua influência no eixo Luanda - Henrique de Carvalho.

As nossas tropas durante este confronto começaram por recolher os oficiais que tinham ficado na messe numa situação muito vulnerável visto que a mesma se encontrava próxima do quartel do ELNA.

Em 12 Junho, logo que a luz do dia tornou possível, saiu a pé o grupo de combate do Furriel Barroco e Romão, com a missão de recolher o representante das FAPLA do Exército Unificado. Este Grupo de Combate garantiu a segurança para a retirada de oficiais do AB4 e famílias que estavam retidas pelo fogo em casas na cidade. Utilizando um megafone, obteve um primeiro contacto com quartel das FAPLA, o que permitiu o abrandamento do tiroteio.

Às 9H00, um grupo de combate saiu para transportar o médico ao Hospital e recolheu alguns civis e militares isolados.

Às 10H00, um grupo de Combate escoltado por elementos do E.M.U. (Exército Unificado) saiu a fim de procurar obter o cessar-fogo no local onde se verificava a confrontação mais violenta, o que só foi possível cerca das 12H00.

A 2ª Companhia que estava no Camissombo tinha como missão controlar e dar apoio aos refugiados Catangueses (cerca de 300), chefiados pelo General Natanael Mbumba, que estavam instalados no mesmo quartel, e maior efectivo numa “ferme” a 20Km a norte. Na “ferme” permanecia o Capitão Elísio Figueiredo, oficial de ligação do Alto Comissário junto dos refugiados, a quem competia a responsabilidade primária de orientar a conduta dos mesmos.

Não obstante, todo o apoio logístico era dado pelo Batalhão de Cavalaria 8322.

Aquando do tiroteio de 20 de Julho os Catangueses pretenderam tomar de assalto a arrecadação do material de guerra para se apoderar do Armamento, que só não aconteceu por firmeza da parte das nossas tropas.

O quartel  do BCAV 8322/74 em Henrique de Carvalho (Saurimo)

As instalações do AB4

Na Base Aérea Nº4* em Saurimo

No dia 22 de Junho de 1975 a CCS deslocou-se para a Base Aérea Nº4, a 4 Km de Saurimo, o mesmo sucedendo à 1ª Companhia no dia 30 de Junho. Em 10 de Julho juntou-se o Grupo de combate da 2ª Companhia que se encontrava aquartelado no Cacolo, mas de seguida marchou para o Camissombo para se juntar à sua Companhia, que tinha como missão principal o apoio aos refugiados Catangueses, evitando que estes se imiscuíssem nos conflitos entre os movimentos. A 3ª Companhia que estava no Camaquenzo reuniu-se ao batalhão em 29 de Julho e a 20 de Agosto foi a vez da 2ª Companhia deixar o Camissombo e juntar-se às restantes Companhias que já estavam na AB4.

Depois de uma semana de grande tensão e incidentes, verificou-se em 16 e 17 de Julho em Saurimo a confrontação que viria a ser decisiva na conquista da hegemonia na Lunda.

Quando o tiroteio se iniciou o Major Jesus da Silva encontrava-se no quartel das forças unificadas com um Furriel, que viria a ser recolhido por um grupo de combate que entretanto saíra da AB4 sob o Comando do Major Correia de Araújo.

No dia 17 Julho pelas 10H00 saiu um Grupo de Combate e dois Majores da E.M.U. deslocando-se até ao Governo do Distrito a fim de levar alimentação ao Governador que permaneceu sempre no local.

Pelas 11H00, o Major Jesus da Silva em conversações com o Comando do MPLA, foi informado que os confrontos só terminariam com a expulsão das forças da FNLA que viria a acontecer após 20 horas de tiroteio ininterrupto, tendo como base armas pesadas.

Os sobreviventes da FNLA e UNITA debandaram e entregaram-se no nosso quartel, o que viria a acontecer em Camisssombo (20 de Julho), Portugália (20 de Julho), Dala (18 de Julho), Cuango (22 a 26 Julho), Caungula (26 de Julho) e outros locais.

Por esta altura o Quartel de Saurimo, onde estava aquartelada o que restava das Forças Integradas, era o refúgio de alguns soldados da ELNA. Como entretanto se verificava o avanço das forças do MPLA sobre o Quartel e para evitar o colapso das Forças Integradas, decidiu-se estabelecer contacto directo com as FAPLA (MPLA) a fim de suspender a sua progressão, a troco da entrega do armamento apreendido da FNLA.

Após um encontro “tormentoso” com os soldados das FAPLA, o Comandante concordou em cessar todas as acções, uma vez que o FNLA se encontrava completamente derrotado.

Recolhidas as armas, estas foram transportadas numa viatura para o quartel do FAPLA (MPLA). Aí chegados, ao abrir a porta da carrinha, um elemento do ELNA que estava preso naquele quartel atirou uma granada de mão para o interior originando uma enorme explosão e incêndio da viatura.

Pelas 19H00, realizou-se uma reunião com o Comandante das FAPLA, ficando acordado o patrulhamento misto, a fim de terminar com os roubos que entretanto já se tinham verificado.

A população civil entretanto refugiou-se no interior da AB4, de acordo com um plano previamente estabelecido.

Ainda no dia 19 de Julho, dada a tensão local, seguiu de Saurimo para o Camaquenzo por via aérea, uma comissão mista formada pelo representante de ELNA no EMULUNDA, por um Comandante das FAPLA e pelo Major Jesus da Silva com o apoio do Comandante da 3ª Companhia Capitão Carlos Gonçalves e da Diamang conseguiu-se acordar a retirada para o Zaire de todos os destacamentos da ELNA, a fim de evitar mais mortos.

Este acordo teve curta duração pois no dia seguinte as forças do MPLA atacaram a ELNA.

EMULUNDA (Estado Maior Unificado da Lunda)
ELNA - FNLA --Major Afonso Jovelino
FAPLA - MPLA-- Major João Ernesto Liberdade
FALA - UNITA-- Major António Pinheiro Canjundo

Este Comando deslocou-se várias vezes aos mais variados sítios para acalmar a situação, nem sempre com sucesso, mas foi possível pelo menos atenuar as consequências dos conflitos e manter uma posição de dignidade para as nossas tropas.

Em todas estas acções foi sempre recebido o máximo de apoio do Governador do Distrito, Coronel T. Ramos.

Após as confrontações armadas, elementos dos Movimentos derrotados foram acolhidos na Base Aérea Nº4, tratados os feridos, alimentados e depois evacuados: cerca de 100 ELNA e outros 100 FALA.

Estas acções provocaram situações de grande tensão com as FAPLA, que, apesar dos acordos, pretendiam apoderar-se de alguns elementos sob nossa protecção, ameaçando atacar o quartel, o que nos obrigou a um serviço esgotante, por se ter intensificado as medidas de segurança e algumas vezes o ocupar de posições.

A 3ª Companhia que estava no Camaquenzo reuniu-se ao batalhão em 29 de Julho e a 20 de Agosto foi a vez da 2ª Companhia deixar o Camissombo e juntar-se às restantes Companhias que já estavam na AB4.

No final de Julho só persistiam alguns elementos da UNITA na região Mussuco-Luremo, altura em estas forças se concentravam em Saurimo. Deste facto resultou um novo crescente de tensão que culminou com novos confrontos em 7 de Agosto, ficando o MPLA com predomínio total do distrito da Lunda.

SITUAÇÃO EM 04 DE SETEMBRO 1975

Comando e CCS ---DONDO
1ª Companhia ---CAMBAMBE
2ª Companhia ---DONDO
3ª Companhia--- CATETE

No Quanza Sul

Em 29 de Agosto de 1975 os primeiros escalões da CCS e 2ª Companhia deslocaram-se em Boeing dos TAM (Transportes Aéreos Militares) de Henrique Carvalho para Luanda, deslocando-se depois para o Dondo em coluna militar.

Em 1 de Setembro foi a vez da 1ª e 3ª Companhia, que numa coluna chefiada pelo Major Correia de Araújo trouxe até ao Dondo material, bagagens e viaturas do Batalhão de Cavalaria 8322, chegando no dia 4 de Setembro.

Em virtude das confrontações verificadas em Malange e Salazar, com as consequentes destruições e por outros motivos que se desconhecem, as tropas que estavam aquarteladas nestas localidades recolheram a Luanda deixando o nosso Batalhão isolado em Saurimo a cerca de 1.100 Km e a 800 Km do Dondo onde permaneceu uma Companhia até à nossa chegada.

Para a deslocação do B.CAV., houve que previamente realizar o movimento de uma força constituída pela 2ª Companhia a Malange onde passou a escoltar até Saurimo a coluna das Viaturas que haveriam de transportar para o Dondo, importante nó rodoviário, o Batalhão de Cavalaria 8322. Esta viagem decorreu sem problemas, no entanto, já no regresso uma força das FAPLAS no Cacuso não queria permitir a passagem a viaturas civis, assunto este que foi resolvido por meio de conversações.

Registou-se um acidente de viação e muitas avarias, o que obrigou a paragens sucessivas, tendo de se abandonar 6 viaturas.

O facto desta coluna de cerca de 80 viaturas ter chegado intacta ao destino, sem apoio aéreo e sem qualquer ponto de apoio militar ao longo do percurso e com ligação Rádio deficiente, foi um milagre.

A 1ª Companhia seguiu para Cambambe, barragem que abastecia de energia eléctrica Luanda, Catete, Dondo, Salazar, Malange e Gabela e a 3ª Companhia para Catete, terra de onde era natural Agostinho Neto.

Os segundos escalões da CCS e a 2ª Companhia deslocaram-se de DC6 dos TAM de Henrique Carvalho para Luanda no dia 2 de Setembro seguindo depois em coluna rodoviária para o Dondo.

Na hora da partida, feito o balanço da nossa presença, julgo que a missão de acompanhar o processo de descolonização, harmonizando as oposições entre os Movimentos de Libertação e garantir protecção às populações refugiadas, se não foi totalmente bem sucedida, foi no entanto desempenhada com uma grande dignidade, pois numa altura extremamente difícil garantimos sempre a posse das nossas instalações até à completa retirada.

As nossas actividades foram nesta altura bastante reduzidas, visto que toda a zona se encontrava sob domínio do MPLA, e a poucos dias da independência.

Cronograma do BCAV 8322/74

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(*) O próximo post será dedicado ao Agrupamento Base nº 4 (AB4), da Força Aérea Portuguesa, sedeado em Henrique de Carvalho e ao qual pertenceu o Major Vítor Nunes, vizinho do “nosso” Capitão Figueiredo, na Sobreda de Caparica e que foi quem me cedeu o contacto telefónico do Capitão. Os pilotos e militares do AB4 retiraram de Henrique de Carvalho em finais de Julho de 1975 (também não sabíamos).

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1 comentário:

  1. Excelente trabalho "nosso Furriel"!
    Finalmente sabemos que fomos os penúltimos.
    Há alguma similitude entre esta retirada de H.de Carvalho e a nossa:
    -Foram as últimas do interior longínquo de Angola.
    -A deles por território do MPLA.
    -A nossa por território da UNITA/FNLA.
    Os nossos camaradas de H.de Carvalho terão muito que contar dessa aventura.
    Nós,além disso,teremos muito que questionar!...

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