BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 5) – OS “REINOS” PRIMITIVOS (1) – O “REINO” DO KÔNGO



PREÂMBULO – PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 5)
OS “REINOS” PRIMITIVOS (1)
O “REINO” DO KÔNGO

Como vimos no texto anterior aqui publicado, quando Diogo Cão atingiu a foz do rio Zaire, encontrou o potentado de que o rei D.João II já tinha notícia: o senhorio do Kôngo, a que chamou “Reino”, à falta de melhor designação. Contudo o senhor do Kôngo não era, como também já vimos atrás, um “Rei” – na tradição das línguas indoeuropeias – mas apenas uma espécie de “monarca feudal” arcaico, se quisermos fazer uma ténue comparação com a civilização europeia.

O território do senhorio do Mâni Kôngo (como era designado o Senhor do Kôngo localmente) teria sido ocupado durante o primeiro milénio D.C. pelos Bantu, na sua longa marcha pela África subsahariana, desde a foz do Níger – pressionados pela pressão dos povos saharaui, devido à desertificação do Sahara. Devemos referir que os bantu, apesar de serem portadores das técnicas do ferro e da cerâmica, nunca desenvolveram nada parecido com a escrita, pelo que, aquilo que se deduz da sua história, seja baseado nas tradições orais e na arqueologia. Na bacia do Zaire encontraram territórios muito propícios à agricultura e parte deles fixaram-se aí, desde o Séc. XIII, dando origem aos potentados/senhorios conhecidos na História daquela zona.

Mapa do Séc. XVIII ou início do XIX (?) de origem francesa, que assinala os diversos "reinos"

O Kôngo tinha a sua capital em Mbanza Kôngo (na época da colonização rebatizada como São Salvador do Congo) e irradiava o seu poder desde o Cabo Lopez – antigo Cabo de Sta. Catarina (no actual Gabão) –, a Norte, até ao Rio Kuanza, a Sul e desde o Atlântico ao Rio Kwenge a leste. O Senhorio do Kôngo dominava vários outros Senhorios subsidiários (que na óptica europeia, prestavam vassalagem ao Mâni Kôngo): o Nsi Ya Luangu, o Kakongo, e o N’Goyo (o território actual de Cabinda engloba partes destes antigos três senhorios), a Norte do Zaire e N´Soyo, Ndongo, Matamba, Kassange e Kissama, mais ou menos até às margens do Rio Kuanza – como se pode ver no mapa abaixo:


Como vimos também nos textos anteriores, Diogo Cão levou quatro nativos para Portugal, aquando do regresso da sua primeira viagem em 1483. Estes nativos retornaram ao Kôngo nas caravelas de Gonçalo de Sousa em 1490 – já falavam português – e eram acompanhados de sacerdotes católicos para a evangelização do Mâni Kôngo e seus subditos.

Entre aspas, citamos excertos de “O Reino do Congo” de Arlindo Correia:

“(...) Chegado Gonçalo de Sousa a Mpinda [capital do N’Soyo], baptizou-se em 3 de Abril de 1491 o Mâni-Soyo, que tomou o nome de Manuel e o seu filho que se chamou António. Tal só foi possível porque o Mâni-Soyo era tio e mais velho que o Mâni-Congo. Partiram então para a capital, mais tarde chamada S. Salvador e ali foi baptizado em 3 de Maio de 1491 o Mâni-Congo, que tomou o nome de João e sua esposa, que tomou o nome de Leonor, tal como o Rei e Rainha de Portugal. Pouco tempo depois, foi baptizado com o nome de Afonso o Mâni-Nsundi, filho do rei que tinha o nome gentílico Mvemba-a-Nzinga (...)”

Depois do baptismo, o Mâni Kôngo (Nzinga-a-Nkuwu, como João I) adoptou mesmo o título de Rei, à maneira europeia.

Representação do Mâni Kôngo Nzinga-a-Nkuwu (D. João I depois do baptismo)

Brasão de armas atribuído ao Mâni Kôngo


“(...) O rei possuía a ilha de Luanda e cabia-lhe o monopólio da recolha dos búzios do mar, chamados nzimbos ou cauris, que serviam de moeda no reino. É difícil calcular a população desta área, mas alguns estudiosos estimam-na em cerca de dois milhões, deixando de lado o cálculo por baixo de 532.000, avançado por John Thornton.

O solo do Congo é fértil devido às chuvas abundantes. O clima era doentio, e mortífero para os europeus que lá residissem. As condições de habitabilidade eram muito rudimentares, a água estava contaminada e proliferavam as mais diversas doenças, com destaque para o paludismo.

As principais riquezas exportáveis eram na altura o marfim e o cobre. As armadilhas para os elefantes eram enormes buracos, disfarçados com ramos de árvores, onde eles caíam e já não conseguiam sair. A exploração do cobre era feita à superfície.

Na monarquia congolesa, o herdeiro do trono não era determinado pela linha directa, mas sim pela colateral. O sucessor seria o filho mais velho da irmã do falecido rei. Mas esta regra era afastada tantas vezes que se pode considerar que o novo rei era eleito entre os membros do kanda, isto é, do clã real.

Entre os conselheiros do rei, sobressaía o Mani Vunda, com funções específicas de conselheiro político (...)”

“(...) Uma outra consequência da chegada dos portugueses, foi que os chefes das províncias passaram a designar-se por duques, condes e marqueses, tal como em Portugal e todos os fidalgos baptizados passaram a ter o tratamento de Dom. Os nobres adoptaram brasões. Foi criada uma Ordem de Cristo do Congo e a coroação do Rei passou a ter de ser presidida por um sacerdote.

Ruínas da antiga catedral de Mbanza Congo - arqueólogos portugueses estão a participar nas escavações actualmente levadas a cabo nesta cidade para recuperação do património histórico...

Reza a história que o rei do Congo, D. João I, passados uns anos, se aborreceu da religião católica e começou a favorecer o seu filho Mpanza-a-Kitima, que não se quisera baptizar. O Rei faleceu por volta de 1509 e este filho apresentou-se como sucessor. Mas a rainha D. Leonor mandou chamar o seu filho Afonso de Nsundi. Este reuniu um pequeno exército, afrontou e derrotou o seu irmão, invocando o nome de Jesus e do Apóstolo São Tiago, tornando-se rei (...)”

Mais tarde, a partir de 1576, com a fundação da cidade de São Paulo da Assunção de Loanda, a actual cidade de Luanda, por Paulo Dias de Novais, inicia-se o comércio de escravos com destino ao Brasil e, a partir daí, as coisas começam a descambar entre a monarquia portuguesa e o “reino” do Kôngo” e mesmo em lutas entre clãs no interior deste...

Para não tornar este post demasiado longo, os interessados podem consultar “O Reino do Congo” de Arlindo Correia, que pode ser lido na integra aqui: http://arlindo-correia.com/100807.html

Deixo aqui a listagem dos “Reis” do Kôngo, segundo uma lista mais ou menos oficial:

Rei Nzinga-a-Nkuwu, João I (1509)
Rei Mvemba-a-Nzinga, Afonso I (1509-1540)
Rei Nkanga-a-Mvemba, Pedro I (1540-1544)
Rei Mpudi-a-Nzinga Mvemba, Francisco I, (1544-1546)
Rei Nkumbi Mpudi a Nzinga, Diogo I (1546-1561)
Rei Mvemba-a-Nzinga, Afonso II (1561)
Rei Mvemba- a-Nzinga, Bernardo I (1561-1567)
Rei Mpudi-a-Mvemba Nzinga, Henrique I (1567-1568)
Rei Mpangu-a-Nimi Lukeni lua Mvemba, Álvaro I (1568-1574)
Rei Mpangu-a-Nimi Lukeni lua Mvemba, Álvaro II (1574-1614)
Rei Mpangu-a-Nimi Lukeni lua Mvemba, Bernardo II (+1615)
Rei Mbika-a-Mpangu Nimi Lukeni lua Mvemba, Álvaro III (1615-1622)
Rei Nkanga-a-Mvika lua Ntumba-a-Mvemba, Pedro II Afonso (1622-1624)
Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, Garcia I (1624-1626)
Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, Ambrósio I (1626-1631)
Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, Álvaro IV (1631-1636)
Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, Álvaro V (1636-1638)
Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, Álvaro VI (1638-1641)
Rei Nkanga-a-Lukeni, Garcia II (1641-1661)

Durante o período das lutas pelo poder

Em M'Banza Kongo (São Salvador do Congo)

Rei Vita-a-Nkanga, António I (1661-1665)
Rei Mpangu-a-Nsundi, Álvaro VII, (1666-1667)
Rei Álvaro VIII (1667-1669)
Rei Rafael I (1669-1675)
Rei Mpangu-a-Miyala, Daniel I (1678-1680)
Rei Nsaku-a-Mvemba, Pedro IV (1694-1710)
Rei Mpangu, Pedro Constantino (+1710)

Em Ki-Mpangu

Rei Afonso III (1667-1669)
Rei Nkanga-a-Mvemba, Garcia III (1669-1678)
Rei Nlaza, André I (+1679)
Rei Nimi-a-Mvemba, Álvaro IX (+1680)
Rei Nzinga, Manuel I (+1680)
Rei Nsaku-a-Mvemba, Pedro IV (1694-1710)

Em Mbula

Rei Nsuku-a-Ntamba, Pedro III (1667-1679)
Rei Nsuku-a-Ntamba, João II (1679-1710)

Depois de 1718, o reino do Kôngo desmoronou-se por completo, devido sobretudo à série de guerras fraticidas (e contra os portugueses por causa do comércio esclavagista), acabando por se dividir em diversos pequenos senhorios, embora ainda tivessem existido “Reis” do Kôngo nominais (sem qualquer poder) até 1957.

Foto – o Rei do Congo D. António III (falecido em 1957) e família.

Fontes consultadas:

O Reino do Congo (on line: http://arlindo-correia.com/100807.html), de Arlindo Correia
As Origens do Reino do Kôngo, de Patrício Batsîkama
O Reino do Congo, de Chantal Luis Silva
Angola, Trilhos para o Desenvolvimento, de Filipe Zau

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3 comentários:

  1. Caro amigo Jorge Machado Dias, parabéns por esta rubrica. Anseio pela saída do seu livro, que preencherá uma lacuna importante na História da Descolonização na África ocupada pelos portugueses».
    Desejo que em 2015 esse documento saia à estampa.
    Com admiração e amizade
    José Ruy

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  2. Muito interessante! Fico à espera do livro, cheio de apetite...
    Abraços
    Manuel Freire

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  3. Muito interessante! Fico à espera do livro...
    Abraços
    Manuel Freire

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