BART 6221/74 - A HISTÓRIA DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 6221/74 - ANGOLA 1975

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA CIDADE DO LUSO (ACTUAL LUENA)

A HISTÓRIA DA CIDADE DO LUSO 
(ACTUAL LUENA)


Apesar de, segundo o programa que a determinada altura estabeleci para este blogue, faltar ainda a publicação das partes 13 e 14 do “Preâmbulo – Para uma História de Angola”, dedicadas às viagens de exploração e cartografia e à ocupação portuguesa efectiva do território, decidi publicar já hoje a matéria que, porventura, interessará mais aos elementos que integraram o BART 6221/74: a História da cidade do Luso.

Assim, a cidade do Luso nasceu dez anos depois de terminada a Conferência de Berlim (1884/1885). Nessa Conferência o mapa de África foi redesenhado, como vimos em post anterior (não havia até essa altura quaisquer fronteiras estabelecidas no continente), de acordo com as pretensões coloniais das potências europeias. Foi daí que nasceu o território de Angola mais ou menos como o conhecemos hoje. Mas foi necessário um esforço enorme para Portugal que, em 1890 rondaria os cinco milhões de habitantes (só para comparação, a Grã-Bretenha andava pelos dez milhões), conseguir ocupar aquilo tudo, uma vez que até essa altura, dominava apenas uns escassos trezentos quilómetros, em algumas zonas, a partir da costa atlântica.

Assim, a 3 de março de 1895, uma expedição comandada pelo tenente-coronel Trigo Teixeira, partiu de Luanda com o intuito de ocupar os territórios situados entre o Alto Kwanza e o Zambeze, que passaram a ser designados por Moxico. A palavra Moxico deriva do nome de um soba Cokwe (Tchokwe, ou Quioco, como lhes chamavam os europeus), Mwa Muxiku. Trigo Teixeira estabeleceu uma Colónia Penal Militar Agrícola, nas terras do soba Mwa Muxiku, fazendo construir a Fortaleza Ferreira de Almeida (extinta em 1901). Conhecida inicialmente e até 1895 por Região Valwena (ou Valuvale), aquele vasto território, a que os portugueses chamaram “dos Luvale”*, passou à categoria de distrito – separando-se do antigo distrito de Benguela –, com a designação de Moxico em 15 de Setembro de 1917. Este novo distrito teve como sede a povoação com o nome de Luvale, ou Moxico Velho, fundada por Trigo Teixeira, perto da fortaleza a que nos referimos atrás, onde se encontrava fixada uma pequena guarnição militar e alguns comerciantes.

(*) O povo Luvale tem origem étnica no Reino Mwantiavwa, ou seja, Lunda/Cokwe, e dele é símbolo de soberania a Rainha Nyakatolo – a Mãe dos Valwena ou Valuvale. Este povo espraia-se por vastas regiões da Província do Moxico, nomeadamente na maior parte do território do Município do Alto Zambeze, no do Luacano, nas comunas de Lucusse e Luvuei, e com manchas étnicas consideráveis em quase todos os restantes municípios da Província, com penetração nas Repúblicas da Zâmbia e do Congo Democrático.



Após a tomada de posse do primeiro Governador do Distrito, D. António de Almeida, este escolheu, delineou e fundou, a cerca de 20 quilómetros a norte de Moxico Velho, a nova sede do distrito, designada por Moxico Novo, num planalto de 12 km de largura que se espraia entre os rios Luena a sul e o Lumege a Norte, a 1 350 metros acima do nível do mar. A intenção de D. António de Almeida, foi colocar a nova povoação junto à linha de caminho-de-ferro de Benguela (que chegara àquela zona em 1913 e à fronteira com a Rodésia do Norte – actual Zâmbia – em 1929), passando a estar ligada às restantes povoações por onde passava a linha.

Busto de D. António de Almeida, fundador da vila Luso (que designou a nova povoação por Moxico Novo), em frente à Estação do caminho-de-ferro, foto de 1969. Não faço ideia se a estátua ainda lá estará - mas penso que não... (Afinal está no seu sítio!)

Em 1922, esta povoação passaria a chamar‐se Vila Luso, depois de uma visita do alto-comissário de Angola, General Norton de Matos. Na vila, construiu‐se um bairro para instalação dos funcionários dos caminhos‐de‐ferro. Em Maio de 1956, a povoação passou a cidade, com o nome de Luso. A sua posição, ligada à única linha de caminho‐de‐ferro que atravessa todo o território angolano, fez dela um ponto estratégico comercial, político e administrativo. A cidade define‐se urbanisticamente pelos elementos que caracterizavam as urbes criadas ao longo das linhas de caminho‐de‐ferro, em especial as do de Benguela. O traçado desenvolveu‐se para o lado Sul da linha, através de uma estrutura em quadrícula, sendo a estação ferroviária uma referência importante na estrutura urbana, onde se localiza uma praça, a partir da qual se criou a rede hierarquizada de ruas e praças. Em 1959 foi elaborado um plano de urbanização que reforçou a estrutura preexistente, estabelecendo novas áreas de expansão e criando novos equipamentos e espaços verdes.
Com o centro histórico constituído pelas primeiras casas, combinaram‐se modernas habitações unifamiliares e edifícios públicos, jardins e largas avenidas. A Estação do Caminho‐de‐Ferro de Benguela e o Aeroporto são duas infraestruturas que representam o desenvolvimento e importância atingidos por esta cidade na zona leste de Angola. Com apenas dez quarteirões, em 1960‐1961, o plano do arquiteto Sabino Corrêa partia das preexistências, atribuindo‐lhes um sentido urbano, com praças, ruas e hierarquização dos espaços e edifícios públicos. Em 1973 foi elaborado um Plano para Zonas de Ocupação Imediata, do arquiteto Adérito de Barros, que previa a expansão para sul.

A cidade do Luso continha edificações qualificadas, com uma arquitetura moderna, ou seguindo o chamado "estilo Estado Novo" (como os Correios, os Palácios do Comércio e do Governo do Distrito), sendo a Rua Governador Hortêncio de Sousa a via onde estas se localizavam em maior número. O Palácio do Comércio, sede da Associação Comercial desde 1952, construído a leste da cidade, perto da Igreja Matriz e Sé Catedral do Luso, transformar-se-ia provisoriamente na sede do Governo do Distrito e viria a ser ampliado, por subsídio do Governador‐geral e, depois de construído mais um piso, em 1954, viria a absorver a Câmara e o Tribunal. Utiliza uma “linguagem neo‐solarenga de inspiração setecentista [...] com o seu largo telhado de quatro águas e beiral, marcado pelo pórtico central e simétrico da fachada”. Frente ao edifício, situava‐se o Jardim Salazar. Isto até o novo palácio do Governo do Distrito e Câmara Municipal, no lado oeste da cidade estar terminado, em 1965. Este edifício é actualmente a sede do Governo Provincial angolano. Quanto ao Palácio do Comércio foi restaurado em 2007 e é agora a sede do MPLA na cidade.

Palácio do Governo do Distrito do Moxico, em 1965

Nos anos de 1970

Depois de restaurado, é o actual Palácio do Governo Provincial do Moxico

Antiga sede da Associação Comercial do Moxico - Palácio do Comércio, nos anos de 1970

Actualmente é a sede provincial do MPLA, depois da reconstrução em 2007.

A maior fase de crescimento do edificado em Vila Luso ocorre nos anos 1950, quando se inicia a construção do Aeroporto e do edifício dos Correios. É ainda erigido o Luso Hotel (atual Hotel Luena), de desenho moderno, da autoria de Luís Talequim da Silva, que recentemente foi remodelado e recuperado. É também aberta a primeira agência do Banco de Angola, atualmente sede da Angola Telecom. O Cine-Teatro Luena começou a funcionar em 1956 (e foi recentemente recuperado). Este crescimento do edificado manteve-se relativamente constante, tendo sido acrescentados equipamentos de lazer como a Piscina do Ferrovia, concluindo-se finalmente nos anos de 1970 e sendo inaugurada a Estação dos Caminhos-de-Ferro de Benguela (onde se destacava a fachada, com pérgola ondulada sobre a entrada, em betão, pontuada pela torre do relógio, e os cais, com galerias em betão armado, de cobertura ondulada sobre pilares-cogumelo de um lado e as de cobertura horizontal corrida sobre pilares do outro), em frente à Estação foi erigida uma estátua a D. António de Almeida, que se pode ver mais acima neste post.

Estação de caminhos-de-ferro do Luso - antes da guerra civil...

... depois da guerra civil...

... e actualmente, após o restauro.

Após a independência de Angola, a cidade passou a designar‐se Luena, tomando o nome do rio que lhe passa a sul, que é um afluente do Zambeze. A destruição que se iniciou com a guerra pós-independência foi, contudo, arrasadora, tendo grande parte destas estruturas ficado praticamente irreconhecível. As habitações foram mais poupadas e alguns edifícios foram recentemente objecto de obras de conservação, como o Hospital, o Governo Civil, o Hotel Luso (agora Luena), o edifício da Antiga Associação Comercial – acabado de restaurar em 2007 e agora sede do MPLA –, o antigo Cine-Teatro Luso, a estação do caminho-de-ferro, o edifício do Aeroporto, etc...

Aeroporto do Luso, nos anos 1970...

... após a restauração...

... e actual aerogare do aeroporto internacional de Luena, em 2013. 

Área metropolitana actual da cidade de Luena. 
O destaque rectangular A é a zona da cidade antiga, cuja vista aérea do Google Maps, se mostra abaixo:

Legenda de alguns edifícios numerados:

1 – Estação de caminhos-de-ferro, CFB
2 – Edifício do quartel onde ficou a 2ª Companhia do BART 6221/74. Presumo que actualmente esteja ocupado pelo exército angolano (?).
3 – Palácio do Governador do Distrito do Moxico, actualmente do Governo Provincial.
4 – Hospital do Luso (Luena)
5 – Messe de Sargentos – apesar de terem lá ficado também os alferes do BART 6221/74
6 – Escola Industrial e Comercial
7 – Edifício dos correios
8 – Sede da Associação Comercial (Palácio do Comércio), com o jardim Salazar em frente. Actualmente é a sede do MPLA e o jardim terá obviamente outro nome.
9 – Sé Catedral do Luso/Luena
10 – Monumento à Paz, inaugurado a 4 de Abril de 2012
11 – Hotel Luso/Luena
12 – Cine-teatro Luena
13 – Clube Ferrovia, sede e piscina.

ALGUMAS FOTOS MAIS:
Clicar em cima das imagens, para ver em tamanho maior

Hotel Luso (1968) - Hotel Luena (2009)

Hospital do Luso - Hospital de Luena

Igreja Matriz do Luso - Igreja de Luena

Monumento à Paz

__________________________________________________________________________

domingo, 20 de setembro de 2015

ENCONTREI, FINALMENTE UMA FOTO DO QUARTEL DA 2ª COMPANHIA DO BART 6221/74 NO LUSO.

ENCONTREI FINALMENTE 
UMA FOTO DO QUARTEL 
DA 2ª COMPANHIA DO BART 6221/74 
NA CIDADE DO LUSO

Depois de tanto procurar – já devo ter visto centenas de fotos da cidade do Luso – encontrei finalmente uma foto que mostra o quartel da 2ª Companhia do BART 6221/74 na cidade do Luso. Trata-se de uma fotografia aérea, realizada por elementos do AB4 de Henrique de Carvalho, ao sobrevoarem a estação de caminhos de ferro, em 1973 – foi Palma André o autor da foto. O referido quartel não existia ainda em 1970, como podemos ver na foto abaixo.

Legenda: 1 - palácio do Governo do Moxico. 2 - quarteirão (vazio) onde seria construído o quartel. 3 - edifício do Comando da ZML.

 Legenda: 1 - Quartel onde ficou a 2ª Companhia do BART 6221/74. 2 - Edifício do Comando da ZML.

A foto integral de Palma André.

NO PRÓXIMO POST: A HISTÓRIA DA CIDADE DO LUSO

____________________________________________________________

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

COMO OS EUROPEUS RETALHARAM A ÁFRICA – A CONFERENCIA DE BERLIM (1884/85) – PREÂMBULO PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 12)


PREÂMBULO PARA UMA HISTÓRIA DE ANGOLA (PARTE 12) 

COMO OS EUROPEUS 
RETALHARAM A ÁFRICA

A CONFERENCIA DE BERLIM 
(1884/85)

Depois da independência do Brasil, declarada em 1821, mas cuja efectivação se arrastaria até 1825, quando foi reconhecida por Portugal, o governo português, depois também do desassossego das guerras liberais, entre 1828 e 1834, começou a equacionar a questão do império colonial. 
Sem o Brasil, haveria que reconstruir o império em África.

Em 1877 foi lançado, por João de Andrade Corvo, um conjunto de iniciativas de exploração destinadas a conhecer a zona do interior africano, que separava as feitorias de Angola e Moçambique. Era uma ideia que teve origem no projecto do governador de Angola Francisco de Sousa Coutinho, de 1788, com o mesmo objectivo e que só não teve sucesso porque o Dr. Lacerda e Almeida, que se abalançou à travessia do continente, faleceu antes de atingir, em 1797, as nascentes do rio Zaire. Silva Porto (comerciante no Bié, actual Kuito) tentou a travessia em 1853-1854, mas adoeceu gravemente quando atingiu o Luy – ou Barotze –, um “império” a sul do Katanga. Sem poder continuar, enviou o seu pombeiro (capataz dos carregadores da expedição) João da Silva para terminar a viagem e este atingiu o Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Mais tarde, Silva Porto encontrou-se com Livingstone no Barotze.

Toda esta actividade na exploração dos territórios entre as feitorias de Angola e Moçambique, levou à criação da Sociedade de Geografia de Lisboa no último dia do ano de 1875. E foi sob a égide desta Sociedade que se realizaram as famosas expedições de Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens – de Angola à Contra-Costa em 1884/1885 –, integradas numa nova estratégia portuguesa para o continente Africano, que privilegiava a ocupação efectiva através da exploração e colonização em detrimento dos simples direitos históricos. Pretendia-se assim romper com a precariedade das então “feitorias” portuguesas nas costas africanas, destinadas, desde o início (em 1576, com a fundação da cidade-feitoria de Loanda) ao comércio de escravos para o Brasil e pouco mais, transformando-as em colónias efectivas. Desta conjectura nasceria a ideia do “mapa cor-de-rosa”. Também Serpa Pinto havia já tentado a travessia de Angola a Moçambique, em 1877, mas errou o "alvo" – a costa de Moçambique –, terminando a sua viagem em Durban, na África do Sul.



É preciso dizer que desde finais do século XVIII, havia no interior de África uma legião de exploradores geográficos europeus, de diversos países, sendo o mais conhecido o britânico David Livingstone (desde 1849), percorrendo todo o continente à procura de referências geográficas e cartografando-as. Além dos portugueses referidos acima, podem contar-se também os casos de José de Anchieta, Teixeira de Sousa, etc, etc…

No entanto, em 1876 o rei Leopoldo II da Bélgica (reino independente apenas desde 1830), estava bem informado do que se passava em África e quis ter uma colónia no continente “negro”. Organizou uma Conferência Geográfica em Bruxelas em 1876, com a presença da França, Alemanha, Inglaterra, Áustria e Rússia (Portugal e Espanha não foram convidados) e onde, a pretexto de querer ficar com uma fatia africana, fundou a Association Internacionale Africaine. Reivindicou o território que é hoje a República Democrática do Congo, ex Zaire, que passou a designar por Estado Livre do Congo. Assim, um monarca europeu passava a ser proprietário pessoal de um bom bocado da África. Só em 1908 o Congo se tornou colónia do estado belga.

Fotos que mostram o tratamento dado pelos agentes de Leopoldo II aos africanos (era-lhes amputada uma das mãos) que "trabalhavam" para a sua Association Internacionale Africaine, no Estado Livre do Congo e o selo postal comemorativo da passagem da propriedade da colónia para o estado belga.
______________________________________________________

Ilustração que retrata a Conferência de Berlim, com o mapa gigante de África na parede. Otto von Bismarck está no primeiro plano da mesa, a olhar directamente para o ilustrador.

Mas nenhum país europeu viu com bons olhos as manobras de Leopoldo II. Alguns anos mais tarde, o chanceler prussiano-alemão Otto von Bismark organizou uma conferência a sério para tratar da colonização da África. A Conferência de Berlim iniciada em 19 de novembro de 1884 (e que terminaria a 26 de fevereiro de 1885), na Chancelaria do Reich, em Berlim, com a participação, além do Império Alemão, da Grã-Bretanha, França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Império da Áustria-Hungria e do Império Otomano. Os Estados Unidos da América participaram como observadores, uma vez que a única colónia que tiveram em África foi a Libéria, formada por escravos africanos libertos, entre 1816 e 1824 – data em que a Libéria proclamou a sua independência. A Libéria foi o segundo país independente de África (após o início da época das colonizações), juntando-se à Abissínia (actual Etiópia), cujo território nunca foi colonizado – embora tivesse sido ocupado, durante meia dúzia de anos (1935-1941), após a conquista pelo regime italiano de Mussolini.

Mapa de África antes da Conferência de Berlim

Mapa esquemático dos "reinos" africanos existentes na altura e as possessões europeias em África antes de 1884

As colónias europeias antes da Conferência de Berlim, alguns dos estados africanos pré-existentes e os trajectos das explorações por diversos exploradores, especialmente britânicos, franceses e alemães.

Mas o objectivo da Conferência acabou por ser mais lato do que o pretendido pelos portugueses. Tornou-se na oportunidade para se definirem as regras de ocupação da África pelas potências coloniais europeias. Assim, perante um mapa de África com cinco metros de altura na sala do Reichstag alemão – que mostrava o continente africano, com rios e lagos, como referências já conhecidas ou fictícias, os nomes de alguns locais e muitas manchas brancas – e onde, sem qualquer respeito pela história dos estados nativos existentes, nem pelas relações étnicas e mesmo familiares dos povos desse continente, foram traçadas as fronteiras das futuras colónias europeias.

Podemos acrescentar que esta divisão aleatória seria a origem de quase todas as guerras, após as independências dos países delimitados pelas fronteiras desenhadas na Conferância. Curiosamente nunca houve em África guerra alguma no século XX motivada por questões de delimitação de fronteiras ou tentativas de conquista de espaços vizinhos das antigas colónias. As guerras foram todas provocadas pelas divisões de antigos estados, ignorados pelos europeus, ou entre tribos divididas pelas fronteiras estabelecidas em Berlim.

O Império Alemão que, sob o governo de Bismarck derrotara a França de Napoleão III em 1870, não tinha qualquer colónia em África. Pelo que as suas pretensões foram atendidas com a atribuição de territórios – passando a administrar o Sudoeste Africano (actual Namíbia) e o Tanganica (actual Tanzânia).

O “mapa cor-de-rosa” português obteve aprovação unanime. Como resultado desta conferência, a Grã-Bretanha passou a administrar toda a África Austral, com excepção do interland entre as colónias portuguesas de Angola e Moçambique, resultante do Mapa “cor-de-rosa”. Ficando também de fora do domínio britânico o Sudoeste Africano, e toda a África Oriental, onde administraria apenas o Quénia, partilhando a costa ocidental e o norte com a França, a Espanha e Portugal (Guiné-Bissau e Cabo Verde); e o Congo – que estava também no centro da disputa, aliás o nome da Conferência em alemão foi mesmo o de “Conferência do Congo” – continuou como “propriedade” da Associação Internacional do Congo, cujo principal accionista era, como já vimos, o rei Leopoldo II da Bélgica; este país passou ainda a administrar os pequenos reinos das montanhas a leste, o Ruanda e o Burundi.

Mapa inglês de 1883, a base do "mapa cor-de-rosa", em que o território ocupado em Angola está francamente exagerado - seria talvez metade da área colorida, em largura.

O Mapa que resultou da Conferência de Berlim, depois da interferência de Cecil Rhodes e do ultimatum inglês, de 11 de Janeiro de 1890.

Ao tomar conhecimento do acordo da Conferência de Berlim, Cecil John Rhodes (1853-1902) – presidente da Companhia Britânica da África do Sul e que foi mesmo financiador das guerras do nkosi (régulo) nguni Ngungunhane (Gugunhana) contra os portugueses no sul de Moçambique – cujo principal objectivo político-comercial era determinado pela construção de um caminho-de-ferro entre o Cairo e a cidade do Cabo, atravessando a África de Norte a Sul (que nunca seria construído), opôs-se veementemente à pretensa ocupação portuguesa do interland africano entre Angola e Moçambique. A sua acção política junto do então primeiro ministro britânico, o marquês de Salisbury, Sir Robert Gascoyne-Cecil, fez com que o governo de Sua Magestade, à margem do Tratado de Windsor, enviasse ao governo português um ultimatum, em 11 de Janeiro de 1890, exigindo a remoção daquela pretensão portuguesa, que havia sido aprovada na Conferência de Berlim, ameaçando com represálias militares. Contudo, a pretensão de Cecil Rhodes seria mesmo frustrada, devido à atribuição do desmesuradamente grande território do Congo ao rei Leopoldo II da Bélgica e da atribuição do Tanganica à Alemanha (África oriental Alemã). Não chegou a existir nenhum "corredor" contínuo de territórios britânicos, do Cabo ao Cairo.

Caricatura da época representando Cecil Rhodes sobre o mapa de África, com um pé no Cairo e o outro no Cabo...

A destruição do mapa cor-de-rosa pelos ingleses - a verde. Os territórios entre o que viram a ser Angola e Moçambique, prontamente ocupados pela Inglaterra, seriam designados por Rodésia (ou Rhodesia) em homenagem a Cecil Rhodes. Seriam depois divididos em Rodésia do Norte (actual Zâmbia) e Rodésia do Sul (actual Zimbabué). Depois de uma pretensa independência em 1965 (que duraria até 1979), os estados daí resultantes nunca foram reconhecidos pela comunidade internacional.

Projecto da divisão administrativa de Angola, mapa de 1900.

E os portugueses, perante a ameaça da força conhecida dos exércitos britânicos, retiraram timidamente as suas pretensões. Contudo foi nesta Conferência que nasceram os territórios coloniais de Angola e Moçambique, que dariam origem, em 1975, aos países respectivos, com as fronteiras que hoje lhes conhecemos. Os territórios actuais de Angola e Moçambique não existiam antes de 1884 e a colonização efectiva só ocorreu depois desta data.

A questão do ultimatum britânico, como sabemos, daria origem à cada vez mais agressiva movimentação dos militantes pró-republicanos, primeiro com a revolta de 31 de Janeiro de 1891 no Porto e levaria mesmo à queda da monarquia em Portugal em 5 de Outubro de 1910.

_________________________________________________________________